O dificil diagnóstico da FPIES no recém nascido
- Renato T. Ashcar
- 19 de out. de 2014
- 5 min de leitura
A mãe Karoline, do Rio grande do Sul, nos contou sobre a trajetória que percorreu com a Helena, até o diagnóstico da FPIES.
É um relato que nos remete ao diagnóstico difícil em recém-nascidos.
Acompanhe:
A Helena começou a apresentar vômitos em jato e diarreia com 47 dias, a pediatra que acompanhava naquela época pediu para eu cortar o leite da minha alimentação!
Provavelmente eu deveria estar ingerindo o “leite”, na época não tinha noção de traços e não sabia diferenciar a lactose da proteína do leite de vaca.
Na consulta dos 2 meses , a Helena continuava com os vômitos, às vezes, 3 vezes ao dia e uma diarreia constante com cheiro de vômito. Eram mais de 10 evacuações ao dia. Não ganhava peso, não era cocô líquido, era água.
A pediatra dizia que era coisa da minha cabeça, enfim, pediu alguns exames e todos deram normais.
Retornamos na semana seguinte, ela havia perdido mais 200 gramas. Não havia vomitado desde a consulta anterior, porém, a diarreia continuava. Após 2 dias retornamos a pediatra preocupados com a diarreia, e, pra nossa surpresa, a Helena tinha perdido mais 150gramas.
A pediatra concluiu que: “Meu leite era fraco e seria necessário dar Fórmula Artificial”. Sai aos prantos do consultório, sabia que não existia leite fraco, mas eu já nem sabia mais o que fazer, eu via que a minha filha não estava bem, será que era fome o que ela tinha?
Então, compramos a fórmula, coloquei a lata em cima da mesa. Só Deus sabe o porquê, não consegui abrir a lata. Pensei que talvez o problema fosse que ela estivesse ingerindo só o primeiro leite (que é mais magro). Tirei um pouco do primeiro leite materno e ofereci o leite mais “gordinho”. Assim foram as mamadas.
No outro dia, ela voltou a vomitar só que com raias de sangue. Imediatamente fomos para o Pronto-Socorro, onde o pediatra diagnosticou: Refluxo e receitou um remedinho. O remédio não fez efeito nenhum e ela continuou a vomitar. Percebi a Helena mais quietinha, mais sonolenta, não era o normal, sempre foi muito ativa. Na noite de domingo pra segunda ela dormiu toda a noite sem acordar pra mamar. Na manhã seguinte, tentei acordá-la, ela estava sem fome e muito sonolenta. Procurei outro pediatra, mas estava de férias.
Me lembro estar sentada na cama chorando feito criança com a minha filha nos braços, quando recebi por mensagem da minha comadre o telefone da Dra. Gabriela, liguei pro consultório, não tinha horário, desliguei, não aguentei e retornei a ligação, chorei e implorei à secretária, expliquei que a minha filha estava muito mal, então, a Helena seria atendida em um encaixe no período da tarde. Fui escondida do marido, pois ele achava que eu estava abalada com o puerpério, já havíamos ido a 2 pediatras que diziam que minha filha estava bem.
No consultório, Dra. Gabriela, percebeu que a Helena não estava bem, estava desidratada e desnutrida, tinha perdido mais 300 gramas desde a última consulta há 4 dias. Pediu a internação imediatamente para investigação. Foi um choque, não esperávamos!
Começou as coletas de sangue, precisavam ser arteriais. Um sofrimento maldito! Saíram os resultados, acidose e uma perda de proteínas no organismo.
Outros exames foram solicitados pra investigar a causa: Ecos, Raio-X, mais coletas de sangue, nada explicava a situação.
Um neuropediatra passou para avaliar e diante do caso, acreditou ser Erro Inato do Metabolismo. Foi um dos piores dias das nossas vidas, o médico explicou os exames e o EIM. Disse que o teste do pezinho dela já excluía alguns, mas provavelmente se encaixaria em outros grupos e que talvez tivesse 90% de chance de não sobreviver. No dia seguinte, foram feitas mais coletas e enviadas a Porto Alegre. Os resultados ficariam prontos em 60 dias.
Meu chão desabou, achei que iria enlouquecer, não conseguia parar de chorar. Nunca senti tanto medo na vida. Nada é pior que ver tua filha morrendo de algo que ninguém sabe o que é, e não tínhamos nada pra fazer.
O Neuropediatra pediu para deixarmos a Helena 48 horas sem mamar, ela teve certa melhora. A única coisa que sabíamos é que alguma proteína alimentar piorava o quadro dela. Suspendemos o leite materno, naquele dia ela tomou uma fórmula de hidrolisado de caseína, reagiu com vômitos e logo ficou muito sonolenta depois da mamada. Os exames pioraram e voltamos com a amamentação, fiz uma dieta restritiva, como ela havia reagido ao hidrolisado de caseína, não se cogitou alergia.
Fomos encaminhados para o Hospital das Clínicas de Porto Alegre para a Helena ser investigado um possível Erro Inato do Metabolismo, de Bento Gonçalves direto para a UTI em Porto Alegre. Pediram para que eu a amamentasse, ela tinha muita sede, mas mal mamava já fazia coco e saia o leite puro, para espanto de todos.
Lembro-me que uma médica veio conversar conosco, tentou explicar o que estava acontecendo e finalizou dizendo que não sabia qual era a doença, sabia que era grave e fariam de tudo pra mantê-la viva.
Ela apresentava assaduras terríveis. A Equipe da genética avaliou e achou pouco provável ser Erro Inato do Metabolismo, mas aguardavam os resultados dos exames.
Fizeram milhões de coletas pra investigar outras síndromes e outras doenças genéticas, cogitaram doenças terríveis.
Uma noite, lembro-me da enfermeira fazer coleta as pressas, tentariam administrar imunoglobulina, mas sangue dela havia “endurecido” não fluía, eu via o desespero dos enfermeiros e ninguém me falava nada, era desconcertante, ela teria que receber plasma, não conseguiam acesso, fomos retirados do quarto e quando voltamos ela estava com cateter e entubada. Teve uma queda considerável nos batimentos cardíacos, não conseguia respirar sem os aparelhos, ficou uma semana assim.
Apesar de estarem cogitando “o pior” a alergia a proteína do leite grave ainda não estava descartada embora achassem os sintomas graves demais para esse diagnóstico.
Foi avaliada por uma equipe de gastros, a deixamos em jejum e logo após administramos o Neocate (Fórmula de Aminoácidos Livres).
Apresentou insuficiência renal e hepática, ganhou quase 4 kg só em inchaço, tinha problemas sérios de coagulação ,sepse grave e plaquetopenia. Quando eles achavam que fechariam em um diagnóstico, surgia um sintoma novo e já recomeçavam as “buscas” para outra coisa, milhares de exames e não achavam nada.
No dia 25 de dezembro, uma das médica veio até nós disse que ela tinha contraído Citomegalovírus e que seria administrado um antiviral fortíssimo, que talvez não aguentasse o tratamento, mas era a única opção. Receberia 2 doses de antiviral por dia, durante 6 semanas.
Aos poucos começou a reagir. Apresentou melhora significativa com o Neocate e a desidratação já não era mais problema. Ainda perdia peso, foram feitos mais exames e o fígado havia sido afetado. Fez endoscopia, intestino todo comprometido, completamente liso. Por conta do antiviral teve queda brusca das plaquetas novamente e fez choque séptico, aguentou firme e completou o tratamento.
Nada mais foi diagnosticado, “somente” uma alergia a proteína do leite de vaca grave e o vírus. Feita uma nova endoscopia 6 meses depois da primeira, normal. Foi descartado até uma possível doença imunológica por trás dos quadros graves que ela apresentou.
Ela toma Neocate desde os 3 meses, hoje está com 1 aninho. Tem uma alimentação saudável e não apresentou reação a outro alimento até então, é uma criança feliz e sem sequelas, apresenta desenvolvimento normal. Logo será feito o teste de provocação ao leite de vaca.
Agradeço a Deus, sua misericórdia foi imensa e não deixou que nós perdêssemos nossa filha, colocando os melhores no nosso caminho. Médicos que amam o que fazem e comprometidos. E, a nossa família que se fez presente em todos os momentos, nos dando força e apoio. Esperamos que todos possam ter acesso a informação e assim tornar mais fácil e rápido diagnóstico, evitando maiores complicações e às vezes, a morte sem diagnóstico.

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